Conteudismo: doença infantil da comunicação, por Wilson Ferreira 31/01/2015 - 09:12
Por Wilson Ferreira

As estruturas de comunicação de instituições públicas são lentas para reagir a ambientes midiáticos negativos. Mas no caso atual do Governo Federal o problema não é de “timing”, mas principalmente do paradigma que orienta suas estratégias: o Conteudismo, a doença infantil da Comunicação. Da vulgarização da utilização de filmes em sala de aula para ilustrar de maneira linear conteúdos curriculares à ordem da presidenta Dilma para que os ministros sejam “claros e precisos” e “comuniquem iniciativas e acertos” para enfrentar a “batalha da comunicação”, todos partilham de um mesmo equívoco: de que a questão da Comunicação se trata unicamente de transmissão de conteúdos. O cenário midiático atual não se identifica mais com uma “batalha da comunicação”, mas com verdadeiras “guerrilhas semióticas” – recursos formais de linguagem que visam muito mais corações do que mentes, muito mais construção de percepções do que transmissão de conteúdos. Guerrilhas semióticas têm a ver com batalhas de percepções e não de informações.
Quando o videocassete surgiu no Brasil nos anos 1980, foi recebido com euforia pelos professores. A imediata disponibilidade de filmes que até então somente era possível de serem assistidos no cinema, vislumbrou a imediata aplicação em sala de aula.
Assim como os espectadores comuns, os professores se fixaram no conteúdo temático dos filmes que poderia ser associado linearmente aos conteúdos programáticos de cada disciplina: aula sobre a independência do Brasil? Exiba Independência ou Morte com Tarcísio Meira para os alunos; algo sobre a Idade Média? O Nome da Rosa; Ditadura Militar? O filme O Que é Isso Companheiro? E ainda teve professor que para ilustrar o porquê da queda do Império Romano apresentou o controvertido filme Calígula – com o previsível escândalo do diretores, coordenadores e pais de alunos.
Dos filmes que ilustravam conteúdos curriculares passaram então aos vídeos pedagógicos com aulas preparadas com muitos infográficos e apresentadores carismáticos, isso sem falar dos vídeos motivacionais para professores nas oficinas pedagógicas...

Função ilustrativa dos vídeos na sala de aula
A fórmula rapidamente se desgastou. Por que? Porque o conteúdo se diluía na linguagem hollywoodiana ou ficcional voltada para efeitos de entretenimento e direcionamentos ideológicos. A Forma (linguagem) era muito mais fascinante do que o Conteúdo crítico que o professor porventura quisesse arrancar do filme assistido.
O Conteudismo
Podemos chamar essa visão ingênua da Comunicação como “conteudista”, herdeira direta da influência da Teoria da Informação de Claude Shannon (1916-2001): todo o problema da comunicação se resumiria a uma questão técnica de transmissão. Professores, jornalistas, locutores, editores etc., deveriam se esmerar em evitar “ruídos” (ambiguidades, falta de didatismo, proselitismo) para que a “mensagem” chegasse intacta ao receptor.
Visão ingênua, ainda mais nos tempos atuais de YouTube onde os vídeos já não são recebidos com a mesma expectativa pelos alunos em sala de aula e a profusão de imagens e proliferação de memes na Internet revelaram a verdadeira natureza dos vídeos: são menos veículos de conteúdos do que de proliferação de percepções. Menos informativos e muito mais voltados para impressões e repercussão de sensações.
A presidenta Dilma, e certamente os estrategistas de comunicação do seu próprio partido, parecem partilhar dessa mesma ingenuidade do conteudismo. Isso ficou claro na recente reunião ministerial.

Rompendo o silêncio desde a sua posse, em uma reunião Dilma exaltou seus ministros a travarem uma “batalha da comunicação”: “devemos enfrentar o desconhecimento, a desinformação sempre permanente. Não permitam que a falsa versão se crie. Reajam aos boatos, travem a batalha da comunicação”.
E como evitar todos esses malefícios da desinformação e dos boatos? “Sejam claros, precisos, façam-se entender. Não deixem dúvidas”, disse a presidenta para seus ministros.
Forma versus Conteúdo
Fica-se imaginando quando, como e onde os ministros devem ser “claros e precisos” nas suas declarações: nas entrevistas dadas a correspondentes da TV Globo em Brasília? Em um possível convite ao Programa do Jô? Em algum debate econômico no canal Globo News? Em algum “pinga fogo” no programa Canal Livre da Band? Em artigo redigido para a sessão “Tendências e Debates” do jornal Folha de São Paulo? Em uma hipotética entrevista “ping pong” para alguma revista semanal da grande imprensa? Em alguma declaração assertiva e impactante em algum telejornal da grande mídia?
A fala da presidenta Dilma parece partir do equívoco conteudista: se todo o problema da Comunicação governamental se baseia em um problema de transmissão (fazer a informação chegar de forma íntegra ao cidadão), então os ministros-emissores devem adotar determinada competência (clareza e precisão) para que a informação não se perca no caminho por obra de algum “ruído” - manipulação, mal entendidos, ambiguidade, boatos etc.

Cinema: plano manifesto e latente
Ora, embora na comunicação o chamado Conteúdo seja a parte mais manifesta (explícita porque audível, visível e legível), é a Forma, o componente mais latente da comunicação (mídia, edição, montagem, angulação, roteirização etc.), que em última instância determina a absorção do conteúdo ao submetê-lo a uma percepção, a uma Gestalt.
Por exemplo, se assistirmos a um filme qualquer no cinema e se, na saída, alguém perguntasse para nós sobre o enredo do que acabamos de assistir poderíamos facilmente fazer uma relato claro. A coisa muda se fossemos inquiridos a detalhar qual o tipo de plano de câmera dominante no filme; ou o tipo de tonalidade aplicada pela fotografia na narrativa fílmica.
Plano de câmera e qualidade da fotografia são aspectos latentes de Forma: passam batidos pela nossa atenção (a não ser que sejamos críticos ou especialistas da área), mas estão presentes de maneira subliminar, latentes, determinando a percepção e associações emocionais ou afetivas que teremos com o conteúdo da narrativa – prazer ou desprazer, adesão ou repulsa e assim por diante.
Segue-se que o conteúdo na Comunicação (pincipalmente audiovisual) é subordinada à Forma: a intencionalidade da construção formal pode neutralizar ou esvaziar informações presentes em um conteúdo – eventos, notícias, entrevistas, declarações, depoimentos podem simplesmente perder sua intencionalidade inicial (denúncia, desmentidos, esclarecimentos, respostas etc.).
GGN
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